Fonte: Gazeta Mercantil – 23.09.2008
Brasil - O aumento no preço dos combustíveis e a crescente demanda por energia podem prejudicar seriamente cidades, empresas e consumidores se não houver um comprometimento com a criação de tecnologias mais eficientes e com a economia de energia. Essa foi a questão levantada pela Conferência de Competitividade e Eficiência Energética, realizada pelo
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), na última semana, em São Paulo.
Segundo dados da Organização Latino-Americana de Energia, a América Latina e o Caribe poderiam reduzir o consumo energético em 10% até 2018 se houvesse mais investimentos em tecnologia e equipamentos mais eficientes. O custo de 17 bilhões de dólares para atingir essa meta resultaria na redução de consumo de 143.000 GWh. Para atender a essa demanda por meio das tecnologias convencionais, os investimentos saltariam para 53 bilhões de dólares, montante necessário para construção de 328 usinas térmicas a gás natural. E se a tendência de crescimento do consumo energético persistir, a região precisará de 75% a mais de energia em 2030 em relação a 2004, de acordo com a
Agência Internacional de Energia (AIE). Segundo o órgão, um grupo de 16 países industrializados, entre 1990 e 2005, conseguiu atender cerca de metade do aumento de demanda energética pela melhoria na eficiência do consumo.
No Brasil, há muito espaço para o ganho em eficiência energética, constata Roberto Vellutini, diretor de Infra-estrutura e Meio Ambiente do BID. "É necessário estender o conceito para edifícios e iluminação públicas, onde há espaço para a implantação de estruturas mais eficientes".
Além da ação dos governos, o empenho do setor privado é extremamente importante nessa fase de adaptação. Por meio do desenvolvimento de novas tecnologias com a perspectiva de um futuro mais eficiente, empresas colocam produtos inovadores no mercado e estimulam a conscientização de todo o setor para a economia de energia.
Estruturas mais econômicas
Atualmente, já existe uma grande preocupação ambiental em relação a novas construções, e o lançamento de edifícios energeticamente eficientes - uma das características dos green buildings, ou "edifícios verdes" - se mostra um atrativo de mercado. A
Atlas Schindler, percebendo essa nova demanda crescente, desenvolveu uma linha de elevadores mais econômicos.
Com a substituição do sistema de tração tradicional por um mais moderno, as engrenagens e a construção de casa de máquinas não são mais necessárias. Somada às mudanças no acionamento e no controle das máquinas, essas características dos novos modelos representam uma grande economia. De acordo com Fabio Mezzarano, diretor de Novas Instalações e Modernizações da Atlas Schindler, os elevadores antigos utilizavam até 10 HPs (Horse Power - unidade usada para medir a força de motores). Hoje, essas máquinas utilizam por volta de 4.5 HPs. "É uma redução significativa em termos de consumo de energia, que chega a 70% se compararmos com as soluções anteriores", ressalta o diretor.
O sistema, desenvolvido pela matriz suíça da empresa, atende a demanda mundial crescente do green building, que representa uma tendência muito forte na Europa e agora se consolida também no Brasil.
"Eu diria que o green building já se tornou um pré-requisito na construção, não algo opcional, e sim uma demanda obrigatória. Nos últimos dois anos houve uma mudança muito forte no país, e a preocupação com a falta de energia cresce a cada dia", destaca Mezzarano. Nos próximos quatro anos, a empresa busca expandir a tecnologia a todos os elevadores, que atualmente é voltada para os mercados comercial e residencial de médio porte.
Parcerias em processos eficientes
Novas parcerias visando a economizar recursos não-renováveis e preservar o meio ambiente representam uma tendência para as empresas nos próximos anos, e aquelas que estiverem mais atentas a esse cenário podem desenvolver negócios lucrativos atendendo a nova demanda do mercado. Para economizar energia e dar um fim ambientalmente responsável a diversos tipos de resíduos, a Resotec, braço da
Holcim, trabalha com o co-processamento. Os resíduos de outras indústrias são transformados em um material homogêneo, posteriormente utilizado como combustível para os fornos de produção de cimento, que consomem grandes quantidades de energia. "No Brasil e no mundo nós chegamos à substituição de 15% dos combustíveis tradicionais por meio do co-processamento", ressalta Edmundo Ramos, gerente da Resotec.
Para Ramos, esse tipo de trabalho conjunto tende a evoluir nos próximos anos. "Acreditamos muito nessas parcerias, pois existe uma grande busca por empresas confiáveis que garantam um destino correto para os resíduos. Estamos conscientes de que no futuro todas as empresas vão aderir a esse tipo de iniciativa para encontrar soluções alternativas aos processos atuais".
Outra possibilidade que se mostra bastante eficiente para redução do consumo de energia é a reciclagem. A
Novelis investe nesse processo e transforma cerca de 107 mil toneladas de alumínio reciclado em novas chapas do material, através da captação de latas do mercado local e daqueles para onde exporta. Para a produção de uma tonelada de alumínio são necessárias cinco toneladas de bauxita, processo que pode ser evitado com a reciclagem e gera economia de 95% da energia elétrica necessária para a produção do metal primário.
TI reduzindo o consumo energético
Um segmento que vem ganhando força para a redução de energia é o de tecnologia da informação. Em 2007, a
IBM anunciou o investimento de US$ 1 milhão por ano para o desenvolvimento de novos produtos e serviços de TI que ajudam a tornar mais eficiente o consumo de energia da própria empresa e de seus clientes.
A companhia percebeu a necessidade de adaptação em 1997, pois seus datacenters consumiam grandes quantidades de energia. A partir daquela percepção, a IBM começou a fazer um trabalho específico para a área. Nos últimos dez anos, consolidou 155 datacenters mundiais em apenas oito. "A empresa fez sua lição de casa. E com o resultado positivo que obteve, percebeu que tinha algo a oferecer para o mercado e para os clientes que também já começavam a estimular essa nova demanda", constata Adriano Barreto, executivo de Desenvolvimento de Serviços da IBM Brasil.
Com o projeto denominado
Big Green, que abrange o diagnóstico, a construção, a virtualização, a gestão e a refrigeração de espaços, a empresa busca duplicar a capacidade operacional dos centros de processamento nos próximos três anos, sem aumento no consumo de energia. Com isso, a IBM lançou luz sobre uma questão que vinha tirando o sono das profissionais de TI. Tendo atingido a capacidade total dos datacenters, muitas empresas viram sua possibilidade de crescimento limitada e se encontraram diante da necessidade de fazer novos investimentos para mudar esse quadro. Mas com a otimização desses centros de processamento, a construção de novos espaços deixou de ser necessária e o consumo de energia pode ser muito mais eficiente.
"Quando fazemos um estudo dentro de um datacenter podemos alcançar uma economia de 25% a 50%. Isso é muito relevante se levarmos em conta que o custo da energia no país sobe a cada dia", destaca Barreto. Até 2011, a empresa pretende dobrar a capacidade operacional usando a mesma demanda energética.
Outra alternativa de TI que pode diminuir o consumo de energia é a tecnologia da telepresença. Com menos viagens para reuniões de negócios, o programa desenvolvido pela
Cisco reduziu milhas de transporte e conseqüentemente a utilização de combustível necessária para as milhares de viagens que seriam realizadas por seus executivos. Por meio da telepresença, 11.461 carros deixaram de circular entre 2006 e 2008.
Além disso, todas as linhas de produtos da empresa são desenvolvidas visando a maior eficiência energética. Um exemplo está na linha de roteadores, que comparada à de quatro anos atrás, possui capacidade 20 vezes maior consumindo a mesma quantidade de energia.
"A partir do momento que você desenvolve um produto mais potente, que ao mesmo tempo não necessita de mais energia, auxilia na redução do consumo", avalia Rodrigo Uchôa, diretor de Desenvolvimento de Negócios da Cisco Brasil.
Mais consciência, menos desperdício
Em 2001, a crise energética que acometeu o país levou empresas, consumidores e governos a repensarem suas ações no que diz respeito ao consumo de energia. Atualmente, o crescente preço dos combustíveis também se tornou uma grande preocupação. De acordo com Osório de Brito, diretor do
Instituto Nacional de Eficiência Energética (INEE), houve uma grande conscientização na época, mas que depois perdeu força devido à falta de políticas adequadas. "Houve uma redução de quase 30% do consumo de energia por algum tempo, mas depois voltou tudo ao normal. Essa economia acabou sendo absorvida, consumida, e hoje voltamos para a mesma situação".
Muitos produtos têm sido desenvolvidos com o intuito de conscientizar e gerar uma economia efetiva para o consumidor. Entre os exemplos desse comportamento está a linha de refrigeradores mais eficientes da
Bosch e
Continental, que oferece até mesmo um controle automático que regula e reduz o consumo de energia nos períodos em que o refrigerador é menos utilizado.
Para Brito, a percepção desse tipo de ganho pode vir com o tempo se houver mais empenho. "É uma questão simplesmente de conscientização sobre as vantagens resultantes para o consumidor, consciência que ainda não é disseminada".
De acordo com Uchôa, diretor da Cisco, a movimentação do Brasil na área de eficiência energética cresceu consideravelmente de dois anos para cá e mudar a consciência de cada individuo sobre a utilização de energia faz parte desse desenvolvimento. "Seja através da economia de combustível, evitando uma viagem de carro ou de outras atitudes, acredito que a grande batalha das empresas seja a conscientização de todos os indivíduos".
Para Roberto Vellutini, do BID, faltam políticas públicas para incentivar uma maior difusão e adaptação de eficiência energética nos processos. "Começar a promover restrições e incentivos seria uma boa alternativa para conscientização".